sexta-feira, 15 de abril de 2011

Quando o destombamento salva o tombamento

O caso do Sambódromo no Rio

O Governador do Rio destombou o Sambódromo. E foi por recomendação do próprio Conselho Estadual de Tombamento (CET)! Uma contradição? Não. Foi uma medida radical para salvar a “moral” do instituto do tombamento. E eu, que à época ainda fazia parte deste insigne Conselho, votei a favor de tal medida. A história foi a seguinte:
Fazia parte dos planos “construtivos” do legado “Copístico” e Olímpico a ampliação das arquibancadas do Sambódromo, exatamente onde se localiza o prédio da Brahma, no Catumbi. Para isso teriam que demolir parte do que é atualmente o Sambódromo, para alterá-lo substancialmente naquele ponto.

Para obter recursos para tal obra, a Prefeitura resolveu negociar com uma empresa privada, índices de construção ampliados para o terreno lateral ao Sambódromo, onde se situa o prédio da Brahma.

Ora, o prédio da Brahma não era tombado, mas era vizinhança – entorno – de bem tombado, e já tinha sido alvo de anteriores investidas de construção que descaracterizariam a ambiência do bem tombado – o Sambódromo. Por este motivo, as investidas anteriores haviam sido sempre negadas pelo CET.

Mas desta vez, a Prefeitura, dona do Sambódromo, já havia feito aprovar na Câmara Municipal lei autorizativa da operação urbana do Sambódromo – permitindo a troca dos índices construtivos de prédio comercial pelo custo de ampliação do bem tombado. E tinha mais: o sempre absoluto interesse da Copa, e das Olimpíadas, e o seu sempre legado irresistível para a Cidade.

Enfim, a obra iria se realizar, e ao Conselho de Tombamento restava verificar se a mesma era compatível, ou não, com o tombamento do Sambódromo, cujo pressuposto legal é a conservação das características do bem e do seu entorno. Não era.

Então, qual a solução jurídica decente? O CET não poderiainventar uma compatibilidade. Mas a lei permite que, quando houver um interesse público em conflito com a manutenção de um bem tombado, cabe ao Chefe do Executivo a prerrogativa de destombar um bem. Ou seja, optar entre um ou outro interesse público; optar pelo interesse cultural do bem, tal como ele se encontra, ou alterá-lo para outro interesse público que ele ache mais relevante. Foi então feito.

O CET disse ao Governador que a modificação substantiva do Sambódromo era incompatível com o seu tombamento. Ao optar por fazer a obra, entendida como essencial e relevante, haveria de se destombar o bem, já que os seus pressupostos se excluem. E a opção foi feita.

Estas são as opções pelo legado. Ao menos salva-se o sentido e a moral do instituto do Tombamento.

Em tempo: o Maracanã também é um bem tombado pelo IPHAN. No entanto, vendo as fotografias das obras que estão sendo realizadas, e que foram publicadas amplamente pela imprensa com o título “só ficou a casca”, é difícil entender de que modo a substancial alteração daquele estádio histórico seja compatível com o pressuposto da conservação das características daquele bem, pelo tombamento?

Deve ter sido objeto de uma ginástica mental surreal, por parte do IPHAN...
Desmoralizar o instituto jurídico é o meio mais rápido de se acabar com ele, após 70 anos de esforços nacionais. Parabéns pela estratégia!

(Sonia Rabello: http://soniarabello.blogspot.com Vereadora e lider do PV na Câmara do Rio, Sonia Rabello. Bacharelou-se em Direito em 1976, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Professora da Faculdade de Direito da UERJ. É doutora em Direito Público por esta mesma Universidade, e pós-doutora pela Universidade de Paris II.)

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