sábado, 31 de dezembro de 2011

Passado


O passado é um lago sereno,
Profundo e perigoso.
Você que caminha por suas margens,
Não tente resgatar
As alegrias e as dores
Que submergiram nessas águas.
Toma cuidado, o céu sem nuvens traz maus presságios
Toma seu barco, ou uma nuvem,
E flutue como o Arcanjo Gabriel
Acima do lodo espesso do fundo
- que você não vê
Mas pode adivinhar.
Não mergulhe, você está sem escafandro,
sem roupa de anjo, sem uniforme de astronauta
Não sabe mergulhar nessas águas.
Não banque o herói de cinema!
Aqui não há projetores nem salas de espera,
Nem uma equipe de apoio e dublês.
Pode ser frio, você trouxe roupas de lã e titânio?
Pode haver liquens, sereias, o esqueleto
Dos companheiros de Ulisses,
Uma cabeça da hidra fumegante
Ou um pedaço de Cila.
Vórtices de luz, monstros macroscópicos,
Olhos imensos sem rosto
Celacantos que odeiam insensatos
Lulas sugando cérebros de prêmios Nobel
Dragões que se alimentam de pérolas.
Pode haver um portal
Para um mundo
Mágico e sombrio
Que Sherazade não conhecia,
Onde cimérios empunham espadas
Crianças sem rosto brincam no espelho
Fantasmas vestem terno e gravata
E o czar da Rússia voltou a São Petersburgo
Disposto a esmagar os bolcheviques.
Cuidado: o espelho d’água,  que reflete
O sol e a lua , tem uma passagem
Secreta – você perdeu a chave!
Você não tem a cabala
Dos arabescos de algas, nas águas profundas.
-- Das águas que um peixe falo
 penetrou no oceano
Da descendência.
Passeie pelas suas margens,
Sem tropeçar nos cogumelos de fogo
Que agitam a grama fumegante,
Respire o ar puro desse jardim:
Tire sua máscara de cidadão pacato
Jogue fora seus cartões de crédito
E os títulos honoris causa, graus de PHD e MBA.
Volta pra casa,
Pegue o metrô da desesperança.
Esqueça os sonhos e o desejo,
Volta para casa, sua toca de ouro e aconchego,
Beija sua mulher e seus filhos, afague o cachorro
Que está latindo estranho (pressente alguma coisa?)
Amanhã você tem uma agenda lotada,
No escritório; tem que consertar o carro
Pagar o cartão de crédito e marcar hora no
Restaurante, para encontrar o chefe
Da multinacional que financia uma fundação
Que ajuda meninos siberianos.
Faz de conta que foi tudo um sonho
Você estava na sua cama macia
O Lago a Lua, sua viagem
Pelo fosso da memória
Seu desencanto – foi tudo um mal estar
Estresse de final de ano.
Amanhã tudo volta ao normal
Os amigos vão rir do seu sonho
E te admirar de tanta imaginação.
De noite, em casa, ponha uma música forte, popular.
Vista sua melhor roupa, vai ver a vida, beber um vinho chileno.
Pra que lembrar de sonhos e paixões passadas?
                                                                                 Sérgio Escovedo ---- 2011 -

Um comentário:

Anônimo disse...

feliz 2012 joca !!!!!cuidado com figado abraços, marco soares..........