domingo, 19 de junho de 2011

‘Chamavam a gente de filhotes da ditadura’

Foto: Sergio Castro/AE – 22/02/2010
O cantor Eduardo Gomes de Farias, o Ravel, morreu,
aos 64 anos, no início da tarde de quinta feira, 16, em São Paulo.
Ravel, da dupla Dom&Ravel, criadores de Eu te amo meu Brasil – 
grande sucesso do início dos anos 70, auge da repressão política no País -,
 sofreu um infarto fulminante quando tomava banho em sua casa, na
 zona Norte da cidade.
O corpo de Ravel foi sepultado nesta sexta-feira, 17, no Cemitério do 
Araçá.
O cantor deixou Rejane, a Janinha, sua mulher, com quem era 
casado há 37 anos, e uma única filha, Priscila.
Seu irmão, Eustáquio Gomes de Farias, o Dom, morreu em dezembro 
de 2000, de câncer de estômago.
Dom e Ravel eram cearenses de Itaiçaba. Crianças eles se 
mudaram-se para São Paulo.
Eduardo virou Ravel por causa de um professor, que via nele 
talento para a música e assim passou a chama-lo.
No início dos 70, o Brasil presidido pelo general Emílio Garrastazu 
Médici, os irmãos ganharam fama de cancioneiros da repressão 
com a música que empolgava os militares, “Eu te amo meu 
Brasil”, gravada inicialmente pelo conjunto Os Incríveis.
Abaixo, entrevista que Ravel concedeu ao Estado, em janeiro de 
2010, em sua casa, ao lado de Rejane:
O pau cantava solto nos porões e eles recitavam Eu te amo 
meu Brasil com o orgulho de quem o Hino Nacional interpreta.
Nos palanques com a chancela dos generais falavam de 
praias ensolaradas e mulatas cheias de calor, singelos versos 
para um Estado de duas faces – a do milagre econômico e a 
de um povo sem direitos nem habeas corpus.
Era 1970. No México, nosso escrete de ouro, que tinha Pelé, 
Tostão e Rivelino, conquistava o tri mundial de futebol. 
A Jules Rimet nossa para sempre. Na vigência plena do 
AI-5 o País mergulhado no arbítrio. Ame-o ou deixe-o! as 
opções que o regime concedia.
Quarenta anos depois do lançamento de Eu te amo meu 
Brasil e às vésperas de uma nova Copa, a da África do Sul, 
o homem de passos inseguros, que busca equilíbrio e amparo 
no vazio, surge à porta em arco da casa antiga e desbotada, 
de roseiras e orquídeas perfumadas no jardim. “Olá, sou Ravel”, 
ele se apresenta, a voz firme, a mão direita estendida.
Seu nome é Eduardo Gomes de Farias, apenas Ravel, que é como o Brasil o 
conheceu nos anos de chumbo.
A história o tornou famoso como o cancioneiro da repressão, 
o porta-voz das sombras.
Dom, seu irmão, morreu a 1.º de dezembro de 2000, vítima 
de um câncer no estômago.
Óculos de aros largos e lentes escuras escondem os olhos d
e Ravel, olhos que não veem.
De um golpe inesperado, numa noite de inverno, julho de 2006, 
ele ficou cego enquanto dormia.
Houve um tempo em que Dom e Ravel, mais que a glória 
e o apreço dos generais, tinham dinheiro à farta.
Corriam o País, de Norte a Sul, com o seu Eu te amo meu 
Brasil, estupendo sucesso nas rádios e nos programas de auditório de TV.
Na casa avarandada que pertence à Eva, sua irmã, Ravel, 
aos 63 anos, leva uma vida despojada, na companhia da
coleção de vinis, o bem que lhe restou.
Mantém-se com os quatro mínimos que a Previdência deposita 
em sua conta a título de aposentadoria por invalidez.
A casa onde mora fica no lado par de uma rua pacata 
de Vila Albertina, próximo a um córrego que corta aquele 
pedaço da zona Norte, e para lá ele se mudou há 9 anos, 
desde que sofreu a violência de um assalto a mão 
armada na Serra da Cantareira. “Levaram tudo, meu irmão…”
Na passagem lateral da residência dois carros velhos 
ao relento se desmancham.
São dois Ladas, um com 14 anos de rua, o outro com 18, e 
nenhum deles pega mais, nem no tranco. “Falta muita peça, 
estão aí parados, meu irmão.”
Dos carros sem valor não pode se desfazer porque estão 
em processo de inventário, assim como a casa.
O homem que idolatrava o Brasil amordaçado e que no 
peito dizia carregar o coração verde, amarelo, branco, 
azul, anil, agora tateia uma Nação corrupta, sem ética, varrida pela 
imoralidade e pela violência desmedida – segundo seu parecer.
Julga o País entregue a desmandos e à malversação da 
coisa pública, mas exclui desse quadro caótico o presidente 
Lula. “Ele é o cara”, faz eco a Barack Obama.
Passa horas a fio em seu retiro e a solidão ele tenta superar 
ao lado de Rejiane, a companheira que no auge conheceu e
 que o trata com amabilidades e carinho.
Janinha é como a chama e logo ela vem para servi-lo – 
na bandeja traz o copo de café preto. “Sim chefinho!”
Em um ambiente contíguo à sala de estar, que tem uma 
janela para o canteiro de jasmins, Ravel ainda compõe. 
Mas é só para ele. Sua rotina são as letras de protesto, canções
 marcadas pela angústia e lamentos.


A voz que idolatrou o Brasil submerso na repressão agora 
brada por Justiça, honestidade e transparência.
Aponta injustiças, clama por direitos de um “povo aflito” e de 
“irmãos sofridos”.
Amor e trégua para o País desajustado ele prega. 
“Eu peço paz, paz, paz”, cantarola, o indicador e o polegar da 
mão direita dando o ritmo.
Nos tempos em que cantava um Brasil feliz e dourado, 
a censura calava os opositores do regime.
Não há tesouras no caminho de Ravel, que ora aponta 
críticas à política e aos desmandos de governo.
A nova face do antigo ícone da ditadura não preserva 
nem mesmo os militares.
A mágoa que carrega, diz, é porque a História não lhe 
deu, nem a seu irmão, a oportunidade da réplica.
Alega que queria provar ao mundo que não fez serviço 
sujo e que não era cúmplice de uma repressão sangrenta, 
muito menos estava a serviço dos quartéis – marca 
indelével que Dom&Ravel carregam por todo o sempre.
Como era o País do Eu te amo meu Brasil?
Não era tão ruim assim como dizem. Era diferente. Eu sou
 contra a ditadura e todo tipo de repressão. Naquela época 
eu vivia como 
todo brasileiro, com medo, a gente tinha medo, mas 
tinha respeito pela autoridade, embora ela fosse abusada.
 Mas você podia sair a hora que queria, numa boa. 
Agora não, meu irmão. Você não sabe mais se tem medo do 
bandido, medo da polícia, não sabe quem é quem. 
Misturou tudo. Que façam uma varredura legal, quem é quem, 
separem o joio do trigo e comecem o exemplo lá de cima. 
Mas para isso precisa de governantes que conquistem a 
confiança de todos nós e que sejam honestos com o eleitor. 
Não é ir lá para ficar rico, pegar a chave do cofre do Banco 
Central e fazer o que dá na telha.
É um discurso de palanque?
Eu não sou político, nem pretendo ser. Não sou candidato a nada. 
Fui filiado, montei o diretório do PDT na zona Norte nos anos 80. 
Fui vice-presidente do diretório no Jaçanã, depois fui para
o Partido da Mobilização Nacional, o PMN, eu me identificava 
com a filosofia deles. Mas não pretendo mais sair candidato. 
E olha que tem muito convite. Não quero porque tenho 
consciência que nasci para ser artista, compositor, para 
cantar e levar alegria. Deus me deu esse talento.
Militares no poder outra vez?
Deus me livre, cruz, credo! O que é isso? Mangalô três vezes 
(bate na madeira). Não é por aí, meu irmão. O que precisamos 
no Brasil é de novidade, é gente nova. Parei de cantar para 
dar espaço para outros artistas, geração nova. O artista 
aqui quer ficar perpetuamente, não divide o espaço dele, 
não ajuda. É um ferrando o outro, meu compadre. É concorrência, 
é a lei da vantagem. Pisam no semelhante, ganância, maldade.
Virou as costas para quem o apoiou?
Não, estou sendo cuidadoso. Sou uma pessoa que parou 
para fazer uma auto crítica do passado, uma avaliação de tudo o 
que aconteceu comigo para traçar um novo caminho, uma nova 
estrada para seguir. Minha meta é ajudar o meu País, é ver o Brasil 
crescer. Não ficar fazendo espetáculo enganando o povo na TV.
Mas vocês abraçaram o lema Ame-o ou Deixe-o
Não foi assim meu irmão. Fizemos o Eu te amo no entusiasmo 
das belezas naturais do nosso País. Vivíamos um momento 
de grande expectativa do tricampeonato no México.
Hoje você acha que os generais foram um mal para o Brasil?
Olha, tinha gente boa, muito competente e honesta no 
governo militar. Um dos honestos eu vou citar, João 
Figueiredo (general-presidente entre 1979 e 1985). Eu tenho 
orgulho de dizer que ele era meu amigo. Era um homem sério, 
um homem correto, um homem de palavra. Eu tive a felicidade 
de conhecê-lo.
Você quer os generais de volta?
Não. Você pode recuperar tudo na vida, mas o que passou 
já era. Eu nasci com metas, ir para a frente. Esse negócio de 
andar de marcha a ré é para caranguejo.
E a aliança com a direita?
Meu irmão, Dom e Ravel foram perseguidos pela esquerda 
e pela direita, você já viu alguma coisa semelhante no Brasil? 
Chamavam a gente de filhotes da ditadura. É tanta da 
mentira que falam a meu respeito, tanta calúnia, 
tanta coisa errada, entendeu? E eu não vou atrás de 
processar ninguém, primeiro porque eu sou espírita, eu sou 
kardecista, eu me identifico com a doutrina. Nos anos 70, a 
gente vivia glórias. Mas nós éramos perseguidos pela esquerda. 
As pessoas achavam que éramos engajados. Os militares
 recrutavam a gente, nós éramos recrutados.
Eu te amo meu Brasil não era o hino do regime de exceção?
Nós fizemos Eu te amo meu BrasilSó o amor constrói e Você
 também é responsável. Essas músicas têm tudo a ver comigo, 
com a minha infância, com a minha luta na periferia. 
Foi aí que veio a inspiração. Essas 3 músicas foram usadas, o g
overno militar usou.




Como foi a aproximação com o general Emílio Garrastazu Médici?
Nós o conhecemos sim. Nos encontramos no primeiro aniversário 
do Mobral, em 1971. Foi em Jundiaí, no ginásio de esportes. O Médici 
quebrou o protocolo, ele veio nos abraçar, a mim e ao Dom. Eu disse a 
ele: ‘É um prazer e uma honra conhecer o presidente Médici’. 
Ele respondeu: ‘A honra é minha porque vocês são pessoas 
com ideais patrióticos para fazer músicas como essas.’ Essa imagem 
foi muito explorada pelas pessoas invejosas. Todo mundo falava 
que Você também é responsável era hino do Mobral. Mas 
era apenas uma música que incentivava a alfabetização do adulto. 
Nunca recebemos dinheiro algum do governo. Nunca fizemos 
música encomendada para governo nenhum, nunca, um tostão, nada.
Mas você e seu irmão não enriqueceram com o aval da ditadura?
Meu irmão, essa é uma mentira das grandes. Onde estão 
os aviões?, as fazendas?, todo esse dinheiro que disseram que a 
gente tinha? Eu nunca tive um imóvel no meu nome, nunca 
comprei nada. Eu nunca tive sequer passaporte. A Janinha 
tinha um carro sim, mas foi obrigada a vender para ajudar 
aqui na casa. Eles queriam oficializar o Eu te amo meu Brasil 
como hino nacional. Mas nunca pagaram nada para nós. 
Andaram falando que a gente ganhou rios de dinheiro a serviço
 da ditadura. É mentira. O governo usou as nossas músicas e
 nunca deu um tostão para nós. Na verdade, de tanta aporrinhação, 
de tanta perseguição política, os nossos shows sofriam uma
violência muito grande. Quando a gente chegava numa 
cidade o Dops (polícia política) escoltava a gente, era um 
comboio para nos proteger. Onde a gente chegava vinham 
aquelas pessoas influenciadas pela mídia para nos hostilizar. 
A gente sofria isso na pele. E os outros músicos nem queriam tocar
 com a gente.
Dom&Ravel não era o xodó dos generais?
Olha, tinha uma agência de publicidade que cuidava dessa 
mídia para o governo. Teve aquele evento, o do aniversário 
do Mobral, onde o presidente Médici veio nos abraçar. 
Isso aí foi explorado durante muito tempo. Com o presidente 
João Figueiredo (último dos generais no Planalto) a gente se 
encontrou em 78, quando lançamos Obrigado ao Homem do 
Campo. Em duas semanas a gravadora nos deu um disco de ouro. 
A gente decidiu dar esse disco para o João porque ele estava com 
a atenção voltada para a agricultura, era um homem que tinha 
interesse em valorizar a agricultura. Por isso a gente gravou Terra 
Boa e Você também é responsável.
O sr. se arrepende de ter subido no palanque dos generais?
Não me arrependo. E tem mais: se eu não fizesse isso eu podia 
ter o mesmo fim que outros artistas tiveram. Mas veja bem: 
acredito que o meu sucesso com o meu irmão causou um prejuízo 
muito grande para outros artistas e isso deve ter provocado uma dor de 
cotovelo tremenda porque tudo é competição. Todos os mercados 
são assim. A música não é diferente. Teu sucesso implica na 
infelicidade de outros, no prejuízo de outros. Aí criou-se uma 
animosidade na classe artística que já muito desunida, cada 
um para si, não divide o espaço. Ninguém ajuda ninguém meu irmão. 
O nosso estouro causou um monte de inimigos no meio. 
Dom e Ravel sempre gostaram de dizer a verdade. Não existia, 
nunca existiu mentira com Dom e Ravel. Infelizmente no Brasil 
em todos os setores o que mais rola é mentira.
E os porões?
Nós tínhamos conhecimento, ouvíamos falar que existia a 
perseguição política aos comunistas, aqueles que eram 
contra o governo. O pessoal da esquerda. A gente tinha medo 
também de que aqueles sumiços nos alcançassem. Tínhamos 
ciência do que estava acontecendo no País. A gente era 
observado e vigiado 24 horas por dia. Quando a gente 
chegava em qualquer cidadezinha para fazer um show tinha 
sempre os buxixos entre os seguranças que trabalhavam para 
as celebridades. Eu sempre fui muito atento a tudo pela 
minha origem de periferia. Tinha policial do Dops, tudo 
o que você pode imaginar, olha tem araponga na área, 
tem dedo duro, tem ganso, tem traíra, arapongagem para 
todo lado, pá e tal. Você sabia que estava sendo vigiado. 
Eu sou espírita, uma coisa diferente. Talvez a mediunidade 
muito aguçada. Você se arrepia com coisa boa e com 
coisa ruim e sabe distinguir isso com o tempo, com as orações, 
a dedicação à medida em que você vai limpando a área 
e se apegando a Deus. Você vai tendo isso mais forte 
e melhor na pele, entendeu? Então eu sentia quando as 
coisas boas estavam acontecendo e as ruins estavam para 
acontecer.
O que precisa mudar na política?
Tem que acabar com imunidade parlamentar, tem que 
fazer uma lavagem, uma varredura nesse País, em todos 
os políticos, em todos os homens públicos. Nasceu onde, 
quando, o que tem, o que o seu pai tinha… Faz uma 
varredura em todo político nesse País, pega a Federal e 
põe atrás, mas não é botar arapongagem. Hoje misturou tudo. 
Ninguém sabe quem é quem. Você tá deitado na cama com sua 
esposa e ela é espiã, conta tudo o que ela sabe sobre você prá outro.
O governo Lula?
Uma decepção. Estou completamente decepcionado. 
Eu votei no Lula. Não é essa a democracia. A corrupção 
continua aí, solta. A gente esperava que fosse transparente, 
mas não é. O que falta nesse país é isso. Transparência. Votei 
no Lula nas duas primeiras vezes (1989 e 1994). Sempre 
sonhei com um país democrático, com um candidato que
 pudesse dizer: olha, a primeira coisa que vou fazer é acabar 
com esse negócio de imunidade parlamentar. Para começar 
a moralizar o País e o político brasileiro. A maioria sai 
candidato por causa da sua ficha criminosa, por causa 
do seu passado, dos seus comprometimentos. Eles querem 
a imunidade para encher os bolsos de dinheiro. Pensam só 
neles, o povo que se dane. Pensam em alguma organização 
que bancou a campanha e deixou ele de rabo preso.
Cantaria Eu te amo no palanque do Lula e da Dilma?
Eu subiria no palanque deles, mas não aceitaria um tostão, 
cachê nenhum. Continuo amando o Brasil. Sempre foi assim. 
Quando Dom e eu pintamos num palco pela primeira vez, 
em 1967, nossa primeira música foi Terra Boa.
Como era a letra?
Terra boa, terra boa, tão plantando tudo compadre vamos 
plantar é da boa, é da boa, tão quebrando cana que é prá 
Joana chupar.
Por que Dom e Ravel romperam?
Nos separamos umas 4 ou 5 vezes. A primeira foi quando 
a gente estava no topo, em 1973. Com as perseguições 
políticas começou a pintar uns conflitos entre o público 
que era fã de Dom e Ravel e os que nos agrediam. A gente 
fazia muito show em praça aberta e aí o pau comia. 
Uma parte da plateia gritava ‘aí puxa saco do governo, 
filhote da ditadura’, entendeu? Palavreados pejorativos 
que a patrulha ideológica criou, o pessoal da esquerda não 
gostava da gente. Aí eu escrevi Animais Irracionais, por 
causa dessa violência toda contra a gente. Dom foi contra. 
Ele disse ‘você tá ficando louco’. Eu insisti.
Como criaram Eu te amo?
Meu irmão, foi na rua Tabatinguera (centro de São Paulo, esquina 
com a Sé).
Foi no banheiro da quitinete onde a gente morava, minha mãe, 
o Dom e eu. A gente tinha um violãozinho velho. Naquela 
época criou-se um clima no País, aquela esperança, 
aquela corrente pelo tricampeonato de futebol. Aquilo 
uniu o povo. Era a euforia da Copa. Minha parte foi no refrão 
e na melodia. A gente foi lembrando das praias, das nossas 
mulheres belas, o Brasil ensolarado…Quem gravou primeiro 
foi Os Incríveis. Mas estourou mesmo foi com Dom&Ravel.
Ganharam dinheiro?
O governo usou Você também é responsável, que fizemos 
antes do Mobral existir. Depois é que veio o Mobral. E fizemos 
 o amor constrói. O governo usou essas duas canções nossas 
e o Eu te amo meu Brasil. Usou as três, foi uma loucura. 
Usou de que forma? Nas emissoras de rádio tocando, 
massificando, o povo pedia aquela coisa toda nos eventos 
oficiais do Exército, como a Expoex, nas Minas Gerais. Eu dividi 
palco com a Elis, a Rita Lee com os Mutantes, entendeu? Da mesma 
forma que eu ia eles iam também. Eram recrutados para fazer essas exibições, 
participar desses eventos. Participei aqui no Ibirapuera, o 
aniversário do Mobral em Jundiaí, em 1971. Essas exibições 
se davam dessa forma. Eles vinham para cima: recrutamos vocês, 
para vocês se apresentarem em tal evento, assim assado. 
Nunca recebi um tostão por essas apresentações. 
A gente ia com a nossa banda, tudo certinho, a gente cantava.


Volta a gravar?
Até posso fazer uma produção se eu encontrar um talento 
novo, um bom artista. Posso produzir e transmitir tudo 
o que sei, meus conhecimentos. Mas não quero gravar. 
Não tenho interesse. Nem tenho contato com nenhuma 
gravadora. Do jeito que esculhambou o mercado, gente 
sem talento, padre fazendo sucesso, se metendo a cantar 
sem talento, pastor se metendo a cantor. Um monte de 
gente fazendo forró brega só porque tem dinheiro. E você 
não sabe de onde vem esse dinheiro, se vem do crime organizado. 
É muito lixo musical tocando. O que é isso meu irmão? Eu tenho 
vergonha, eu sou família, nunca me envolvi com droga. Músico 
para tocar na minha banda eu digo logo na cara: ‘meu irmão, 
se liga aí que aqui não rola droga, não quero droga, quero 
respeito porque venho de uma origem, de um período onde 
para você fazer sucesso tinha que ter muito talento.’ Mas também 
tinha veado e maconheiro, isso é verdade. Se fosse mulher t
inha que ser prostituta ou sapatão, mais ou menos assim. Muito 
colega meu morreu na droga, na maconha, na cocaína e 
outras drogas aí, bebida e tudo mais. Morreram nos vícios. 
Não vou citar nome. Todo mundo sabe. Desgosto, decepções. 
Então ficava difícil para nós, tinha que mostrar talento, um 
negócio de doido, muita concorrência. Era gente que estudava 
música, que se dedicava, um melhor que o outro. Nos anos 70 tinha 
isso de bom. Hoje o camarada chega no show fedendo. Dá licença 
meu irmão.
A música …
O problema, meu irmão, é que hoje você põe padre prá 
cantar, pastor evangélico, bispo, prostituta, filha de não sei 
quem, amante do outro. Hoje fabricam o artista que não 
sabe de nada, não sabe o que é música, nunca estudou, 
não sabe o que é divisão musical e nem harmonia, não tem 
voz e nem talento. Mas põe prá cantar porque tem o rosto 
bonitinho.
A perda da visão.
Fui dormir enxergando e acordei assim, sem luz nos olhos. 
Foi em julho de 2006. Eu tinha sofrido um acidente muito 
feio, mas não foi por isso que fiquei cego. Fui a um especialista, 
o dr. Eurípides. Ele me disse que era um glaucoma. Eu 
sempre tive miopia. Sempre fui míope e tinha astigmatismo. 
Tinha 10 graus numa vista, 13 na outra, era miopia da alta. 
Depois ela foi aumentando rapidamente. Aconteceu esse lance. 
Eu sempre usei lente de contato. Fui dormir, quando acordei no 
dia seguinte: epa! não estou enxergando nada, Janinha me ajuda aqui!


Fausto Macedo, de O Estado de S.Paulo

Nenhum comentário: