Sérgio Escovedo
Cometi uma injustiça com Vilmar
Rangel e espero que haja tempo de me redimir. Em 2001, quando VR lançou Alumbramento, prometi fazer uma crítica
do livro, no meu jornal A Cidade. Mas eu estava tão envolvido com questões
jornalísticas, tão desorientado em relação à cultura e pessimista em relação ao futuro dessa
linguagem, que li e reli o livro com má-vontade, com olhos de jornalista e ao
invés de ver e sentir a beleza, a perfeição dos seus versos, fui movido pelo
preconceito e passei a descobrir erros, como um revisor mal-humorado, como um
aleijado que detesta o balé Bolshoi, se é que fui claro. Li rapidamente os
poemas, não deixei fluir meu sexto sentido, não me extasiei diante da beleza.
Como diria um Hermes Trimegisto do século dos computadores, não consegui
separar o sutil do espesso e não fui em busca da pedra filosofal desse poeta
maravilhoso.
Questões pessoais podem ter
interferido. Vilmar é um velho
conhecido, mas procurou seguir – com brilhantismo – a carreira de publicitário
e relações públicas. Na minha juventude de escritor engajado, achei essas
funções meras purpurinas, coisas fúteis que não devem interessar ao poeta. Fui
preconceituoso, pois é possível transmutar o metal mais bruto na jóia mais
delicada e fui ignorante, porque
desconhecia o valor dessas profissões.
Passados dez anos, peço permissão às
Musas para dar meu testemunho e, graças à humildade, ser perdoado por um erro grosseiro. Alumbramento é um livro fascinante e nele há poemas de beleza
incomparável, frutos de um lento e precioso trabalho de artífice, do Miglior Fabbro da produção poética
aparecida em Campos no século XX. Sou avesso a comparações, mas não resisto a
afirmar que Prata Tavares é muitíssimo primário em relação a VR. Prata era
muito limitado intelectualmente, um poeta de fortes inspirações, mas que praticava
o voo de galinha. Fazia um belo poema para depois escrever cinco banalidades.
Osório Peixoto escreveu bons poemas, mas também era limitado intelectualmente e
confundia a poesia com o panfletarismo que os tempos reclamavam. Vilmar é
perfeito em cada peça de ourivessaria poética, como um Pascal que polisse
lentes ou um empalhador da beleza de uma ave do paraíso há muito tempo extinta,
cujas cores foi buscar no arco-iris de sua imaginação prodigiosa. Outros poetas não quero citar, para não ser
mais injusto ainda – e dos novos, nem é bom falar. Alguns que venceram
concursos de poesia falada mal sabem falar português e confundem pantomima com
a quinta essência da palavra escrita. São divertidos, mas como jograis, bobos
da corte que encantam platéias jovens, rudes, quase iletradas – e poesia é para
os cultores da língua, para os alquimistas que trabalham cada verso, como um
rubi, para engastá-lo num verso. Vilmar é este paciente homem literário, perfeccionista
ao cúmulo, verdadeiro apanágio da busca da forma perfeita. E todos sabem que
poesia é forma, pois todos os conteúdos já foram utilizados, dado que a
essência humana não mudou muito desde Homero.
Alumbramento traz um poema que considero uma das
criações mais deslumbrantes da poesia do século XX. Refiro-me a Urgência (págs.69/70) cujos versos acertam o alvo com precisão. É
um poema filosófico do mais alto nível, só comparável, na minha opinião, a
peças de Hölderlin, Rilke, Drummond, Murilo Mendes, Emily Dickson e outros bem
conhecidos pelos poetas, que não vale a pena citar pois os não-iniciados nada
entenderiam. Conhecimento é referência, e quem não conhece Goethe não pode
compará-lo com Novalis, por exemplo. Não vou encher o saco do leitor com a
reprodução do poema. Comprem o livro, ajudem a financiar a cultura e leiam o
livro todo, porque vale a pena. Palavra de poeta, leitor, crítico literário por
muitos anos (hoje não tenho mais paciência para isso). Os versos que vou
destacar já dizem tudo, são síntese de um labor poético do mais alto nível, são
nitroglicerina, versos-bomba que explodem os quartéis dos reacionários e dos
conformados ( e o mundo está cheio deles).
Os versos são: “Quero
verdades/me dão metades/meu prazo é o tempo da rosa”. É como se Omar Khayam se transfigurasse no século XX
num homem moderno e mostrasse ao mundo
que a poesia é imortal e fere os que duvidam do poder das palavras.
Magnífico é o mínimo que eu afirmo. Aproveito para me desculpar com Vilmar Rangel, mas acho que
ainda é tempo de reparar um erro crasso que cometi por preguiça ou negligência.
Alumbrem-se todos com este livro fantástico!
Um comentário:
Joca, que boa surpresa !!! Estava eu há poucos minutos garimpando coisas que o Google pudesse ter acrescentado ao meu nome (embora não o faça com frequência), quando acabei colhido por esse delicioso e sincero mea culpa do Escovedo. Sinceramente, não sei o que dizer diante de tantos elogios. Ele talvez tenha se esquecido de que no lançamento do livro Alumbramento (primeira edição no ano 2000, veja só) fiz-lhe uma visita (no jornal), e dias depois ele me brinda com uma nota mais que simpática - consagradora, colocando-me nos píncaros !!! Talvez tenha sido por gentileza, mas foi algo surpreendente para o temperamento exigente dele, cuja cultura é vasta e aplaudida. Quero presentear a ele e a você com meu livro mais recente (Dança entre dorsos tensos), mas não sei como fazê-lo. Solicito o favor de me informar a melhor forma de contato com Sergio. Deixarei também com ele o seu exemplar, extensivo a Fulvia. Obrigado. Agora dê-me licença porque vou curtir de novo o denso e tão bem fundamentado comentário crítico que o acaso me proporcionou hoje.
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