segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

As Ilhas Malvinas e o fim do Império Britânico na América Latina



Nessa questão da disputa em torno das Ilhas Malvinas, uma opção, embora terrível, será sempre a guerra. O confronto. A revolta por cinco séculos de exploração dos latino-americanos contra o cinismo e a opulência dos povos que subjugaram as nações indígenas e seus sucedâneos desde a América Central até a do Sul. No Norte, a história foi diferente e produziram por lá apenas mais do mesmo que os colonizou. Mas, do México à Patagônia, onde as minúsculas ilhas em disputa se situam, últimos baluartes da Union Jack neste continente, a expoliação ocorre há séculos. Seis séculos, para ser exato. Continua até hoje.
Malvinas
Os soldados argentinos resistiram o quanto puderam ao poderio britânico
Desta feita, o Império Britânico, sucedâneo do Romano, cristalizado em suas bases na Wall Street, nos paraísos fiscais e noestablishment da língua inglesa, mordeu a isca pela segunda vez. Na primeira, engoliram com anzol e tudo a provocação de uns militares sádicos, treinados nos porões do DOI-Codi brasileiro, e mataram argentinos feito moscas, sem dó, nem piedade. Seguem os números oficiais, apenas para relembrar:
Argentina:
Defesa: Guarnição Militar das Malvinas: 10 mil homens (25º Reg.Inf., 8°eg.Inf., 9a.Cia.Eng., 2° Batalhão Inf.Marinha, 10ª.Brig.Inf.Mec., entre outras); veículos blindados Panhard; aviões Pucará e C-130 Hércules; helicópteros Bell UH-1H e Puma, de fabricação norte-americana; caças A-4 SkyhawkIAI DaggerMirage III e Super Etendard (operando a partir do continente).
Baixas: 1,1 mil mortos e número não divulgado de feridos; 76 aeronaves e 26 helicópteros abatidos; 1 cruzador, 1 submarino, 1 barco patrulha e 3 navios auxiliares afundados; 2 barcos-patrulha avariados.
Grã-Bretanha:
Ataque: Marinha com 111 navios (42 da Royal Navy, 24 da Esquadra auxiliar e 45 mercantes requisitados); 3a. Brig. Comandos dos Royal Marines ( 40°, 42° e 45° batalhões, 29° Reg. Artilharia e outras); Exército: 3° Batalhão de Pára-quedistas; 5a.Brig.Inf.; tanques leves Scorpion eScimitar; Aviação Naval: helicópteros Lynx Mk2 e Sea King Mk5; caças Sea Harrier.
Perdas: 255 mortos e 777 feridos; 10 aviões e 24 helicópteros destruídos; 2 destroiéres, 2 fragatas e 2 navios auxiliares afundados; 3 destroiéres, 3 fragatas e 2 navios auxiliares avariados.
Xadrez internacional
A carnificina aconteceu no intervalo de apenas dois meses. Entre as 4h30 do dia 2 de abril de 1982 e a retomada da capital, Puerto Soledad, em 14 de junho de 1982, a guerra abalou o continente mais pacífico da Terra. Desta vez, porém, 30 anos depois, a realidade é outra. Neste ínterim, os militares sul-americanos perceberam-se apenas um joguete no cenário internacional da guerra fria, prestes a ser encerrada no Muro de Berlim, sete anos depois. A era dos cucarachas no poder declinou em meio à corrupção generalizada que, na Argentina, protagonizou a entrega de uma fábrica de papel-jornal ao grupo empresarial que apoiava a presença dos militares no poder. Apenas um acepipe para a exploração humana ocorrida logo depois.
No Brasil, o mesmo esquema, patrocinado por Londres e Washington, sacramentou o império da Rede Globo e a ascensão de outras poucas empresas do hoje conhecido Partido da Imprensa Golpista (PIG), em um movimento semelhante ao ocorrido na vizinhança. Assegurado o poder por aqui, durante meio século, a elite dominante, fundadora dos partidos da direita (DEM, PSDB, PPS e outros cúmplices), seguiram com a sanha de vender o patrimônio nacional, conforme descrito no livro A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr.
Com o retorno das Forças Armadas aos quartéis e a retomada (lenta e gradual, lembram?) dos civis ao poder, o continente do qual os norte-americanos faziam de cozinha e despensa mudou o ritmo da banda. O venezuelano Hugo Chávez chegou ao poder e se consolida como um líder popular, de fato e de direito, diplomado pelo voto como líder do movimento bolivariano, que aproxima as nações sul-americanas. Na Bolívia, o socialista Evo Morales ascende ao poder. O ex-guerrilheiro José Mujica encerra décadas de domínio e opressão dos aliados do Norte. Por aqui, um ex-metalúrgico de centro-esquerda chega ao Palácio do Planalto, com papel decisivo na transformação social da América Latina, e elege seu sucessor.
A Argentina, desta vez, não deu o ponto sem nó de seus desarvorados governantes ditatoriais. Hoje, Buenos Aires fala com apoio irrestrito do eleitorado de esquerda que levou Cristina Kirchner à Casa Rosada com mais de 70% de apoio popular. Ela conta com o Brasil, governado pela presidenta Dilma Rousseff em seus confortáveis mais de 80% de aprovação dos eleitores. Recebe os aplausos da Venezuela, do Paraguai, do Uruguai, da Bolívia. É diante deste quadro, de uma crise aguda para as nações capitalistas do Hemisfério Norte, que os argentinos reivindicam nada além do que lhes pertence: a soberania sobre as Ilhas Malvinas.
Quando a dama de ferro do capitalismo selvagem, Margareth Tatcher, ainda ousava cruzar o Atlântico para aplaudir o desempenho de suas tropas no Cone Sul, havia espaço para arroubos bélicos. Hoje não há mais. Por mais bravatas que Londres possa debulhar em seu rosário de seculares vitórias marítimas, não há saliva suficiente para manter coladas aquelas pérolas à Coroa Britânica. Nem armas suficientes para derrotar um continente inteiro.
Ora, os britânicos não construíram um império no qual o Sol jamais se ocultava por calcular mal as possibilidades e, mais do que nunca, saber a hora de bancar os valentes ou manter a fleuma de sempre, tocar a retirada e voltar para casa, de onde nunca deveriam ter saído. A Índia está aí para não deixar dúvidas.
Pois bem. Este parece ser aquele momento em que a Grã-Bretanha, com suas bombas atômicas, caças de última geração, porta-aviões e demais tranqueiras navais e aéreas que possa desfilar, deveria pensar bem na vida. Na vida de seus filhos. E devolver, de bom grado, o governo das Ilhas Malvinas aos argentinos. Vai evitar muita dor de cabeça e um desgaste econômico e social desnecessário para o mundo. Qualquer esforço extra será em demasia.
No tabuleiro de xadrez da diplomacia internacional, esta cena pode ser definida pelas palavras que antecedem à queda da coroa.
– Xeque mate.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.

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