sexta-feira, 13 de maio de 2011

Sinais de Depressão Municipal em Campos dos Goytacazes

Conversando com uma competente psiquiatra que dedica dois dias da semana a Campos, fiquei bastante surpreso. Todo o papo surge a partir do tema "vigiar e punir". Confesso que não percebemos, nem eu nem ela, as mais de três horas de papo.
É claro que comentávamos casos e não personagens. Mas uma das coisas que mais me impressionou foi uma revelação que passaria despercebida, não fosse amante das relações entre mente/cérebro e curioso o bastante. Uma frase me tocou profundamente, assim como uma confirmação:
"Tenho recebido vários pacientes que têm a mesma queixa. Apontam a cidade como foco dos seus problemas" .
Confesso que insisti no assunto, pedindo que falasse mais das queixas. Ouvi que muitos reclamam do"desprazer de viverem numa cidade amorfa. Sem inspiração e perspectiva de desenvolvimento social e humano. Basicamente voltada ao crescer desmedido, sempre numa competitividade desigual. O que não passa do reflexo do modo de conviverem com o governo mais próximo. A evidência de várias ocorrências que fogem aos padrões da boa convivência social aliada a uma impunidade habitual.Por um lado muitos se julgam injustiçados, enquanto uma minoria esbanja nababescamente o que pertence a esses muitos".
Entenderam por que o papo foi extremamente longo sem que percebêssemos o tempo passar?
Pois é. Concluí que certas doenças são contagiosas. Campos pode estar passando pela Sindrome da Depressão Campista. Sugeri uma pesquisa e ela prometeu levar a ideia aos seus amigos de uma universidade do Rio.

Ps. ela citou, dentre as queixas que ouve, o abandono dos equipamentos públicos, o crescimento árido sem preocupação com a humanização de espaços e a própria imprensa local que foge à função básica de informar. Citou ainda o apadrinhamento aos próximos dos poderes em detrimento dos capazes, as "perseguições medievais" que só se veem aqui, o fino trato das áreas nobres e a miséria a poucos quilômetros etc, etc.
Curioso, não? Uma ótima provocação.

2 comentários:

douglas da mata disse...

Caro Joca, provocado pelo instigante tema, e pela minha curiosidade (como paciente, inclusive), permita-me dar um pitaco:

Na verdade, o fenômeno que você tão bem denominou de SDC(síndrome de depressão campista)é um traço comum em sociedades que experimentam certo conforto e satisfação de suas necessidades econômicas.

São comunidades que experimentam, de acordo com a cultura e (penso eu)associados a fatores fisiológicos, reações violentas, auto-inflingidas(suicídios)ou surtos psicóticos.

O componente é sempre o mesmo: frustração. Ou em termos "melodramáticos", perda da esperança. Ou ainda, em termos sociológios e, ou "antropológicos": perda de perspectiva de futuro.

Mas esse fenômeno não se expressa de forma linear, uma vez que a sociedade não o é, e cada grupo ou estrato lida com os fatos através dos filtros que dispõem.

No entanto, há uma consideração interessante, caso a sua amiga pretenda levar à cabo a pesquisa, que poderia caminhar lado a lado com outro ramo das ciências humanas:

O fato de que nas sociedades mais ricas e tristes, como Suécia, Japão, etc, onde há episódios ligados a esse sentimento coletivo de depressão, mas que se individualiza na resolução do conflito, houve um processo contínuo de amadurecimento das instituições públicas, e ao contrário daqui, não há um desencanto com as condições coletiva e institucionais de convivência, mas uma angústia pessoal com a incapacidade de se ajustar a essas exigências formais de convívio.

Já o nosso caso, há uma inversão: O desencanto é causado pela esfera pública, corroída pela distorção ou ausência de valores coletivos nos quais valha à pena se ajustar.

Daí a sensível distinção: Lá, as pessoas se matam, enquanto por aqui, nosso "suicídio" é coletivo, e mata as condições públicas de relações sociais, e nos inviabilizam enquanto "comunidade".
Por isso nossos episódios de violência tem esse caráter "coletivo", contra o "outro", ou melhor: contra tudo que é público.

A relevância dessa diferença é que: Nos casos dos países citados, o tratamento é individualizado, já no nosso caso, o "tratamento" tem que ser público, uma grande "catarse" coletiva ou terapia em "grupo".

Um abraço e grato pela paciência.

Vitor Menezes disse...

Belo post. O que noto é que há um descompasso muito grande entre a expectativa que um novo setor de classe média tem para a cidade e o que ela oferece. Também noto uma paralisia da sociedade, que tudo espera do poder público (e este, por sua vez, parece tomado por um bando de acéfalos). Essa inquietação, no entanto, me parece positiva, uma vez que ela revelaria uma certa alma da cidade. Podemos acusar o campista de muita coisa, menos de que ele é indiferente em relação a sua cidade. E onde há um espírito assim, uma hora as coisas acontecem. Meu temor é ver essa expectativa por mudanças ser muitas vezes voltada para um desenvolvimentismo meramente comercial, tornando Campos igual a outra cidade qualquer. A comemoração em torno de um novo shopping é um sintoma disso. Não podemos nos contentar com mais do mesmo. Temos aspectos únicos para nos orgulhar, preservar e explorar. E, apesar de tudo, sou otimista em relação a Campos.