quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Política Cultural em Campos-RJ. E tem???

Shaco, o Bobo da Corte Demoníaco, em *


Calabouço - Sérgio Ricardo


Olho aberto ouvido atento
E a cabeça no lugar
Cala a boca moço, cala a boca moço
Do canto da boca escorre
Metade do meu cantar
Cala a boca moço, cala a boca moço
Eis o lixo do meu canto
Que é permitido escutar
Cala a boca moço. Fala!

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

Cerradas portas do mundo
E decepada a canção
Metade com sete chaves
Nas grades do meu porão
A outra se gangrenando
Na chaga do meu refrão

Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

Mulata mula mulambo
Milícia morte e mourão
Cala a boca moço, cala a boca moço
Onde amarro a meia espera
Cercada de assombração
Cala a boca moço, cala a boca moço
Seu meio corpo apoiado
Na muleta da canção
Cala a boca moço. Fala!

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

Meia dor, meia alegria
Cala a boca moço
Nem rosa nem flor, botão
Cala a boca moço 
Meio pavor, meia euforia
Cala a boca moço
Meia cama, meio caixão
Cala a boca moço
Da cana caiana eu canto
Cala a boca moço
Só o bagaço da canção
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

As paredes de um inseto
Me vestem como a um cabide
Cala a boca moço, cala a boca moço
E na lama de seu corpo
Vou por onde ele decide
Cala a boca moço, cala a boca moço
Metade se esverdeando
No limbo do meu revide
Cala o boca moço. Fala!

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

Quem canta traz um motivo
Que se explica no cantar
Meu canto é filho de Aquiles
Também tem seu calcanhar
Por isso o verso é a bílis
Do que eu queria explicar
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço

Olha o vazio nas almas
Olha um brasileiro de alma vazia.


Certamente esta letra de umas das músicas que mais cantei ainda quando jovem, reflita muito bem o meu olhar sobre a falta de uma política cultural em Campos dos Goitacases, cidade onde, moro no interior do Rio de Janeiro. Era um verdadeiro hino contra a censura que proibia o livre pensar e a livre manifestação nas artes e na cultura, além de impor uma cultura de massa alienadora.

Há semanas, depois da censura à encenação de ‘Bonitinha, mas ordinária’ — uma das peças que compõem a obra do mestre Nélson Rodrigues —, os artistas e intelectuais de Campos debatem a política cultural do governo municipal e seus reflexos na sociedade. São ponderações e posições que, no tabulamento final, se ressentem da falta de algo vivo e provocante no que tange à reflexão da nossa própria sociedade, advinda das manifestações artísticas e culturais no seu todo ou na falta destas.
Tema que ao longo das décadas costuma quando em vez eclodir.Tomadas algumas medidas paliativas das mais diferentes formas, a calmaria volta a reinar. Uma acomodação quase permitida pelos que, nestas mesmas décadas, debatem-se sobre o caminhar lento das manifestações, ou mesmo o seu sepultamento. E basta ter um pouco mais de 40 anos para perceber que os personagens são quase sempre os mesmos. Sintoma maior da falta do surgimento de novos movimentos que, certamente, nos presenteariam com novos pensamentos do mundo das artes e da cultura por parte dos mais jovens.
Não, ignoro, porém, o surgimento de novos artistas, da mesma forma que também vejo morrer outros tantos grupos da cultura tradicional de Campos. Não quero me referir ao carnaval, um dos mais disputados do Brasil – se bem que no tempo da geladeira a querosene —, mas aos grupos folclóricos e hábitos corriqueiros do imenso interior que se perderam.
Sem necessidade de colocar a lupa em nenhum, sem exagero, repito: nenhum setor da prefeitura vive uma realidade diferente, todos são tratados de forma idêntica ao tratamento que se impõe à cultura.
A prática dos governos de cunho ditatorial, aliada ao populismo, inclui sempre uma política do “faz de conta”. Esse tipo de governante sabe muito bem maquiar as necessidades básicas e oferecer mecanismos de compensação à população, desviando-a da suas reais necessidades. A “máquina”, que deveria estar funcionando para tornar o dia a dia da população mais tranquilo, identificar os problemas e solucioná-los em seus nascedouros — já que recurso é o que não falta —, está voltada para um projeto doentio de poder sem fim. Há sinais claros de que muitos projetos são feitos de trás pra frente, mais uma vez deixando de lado as prioridades.
Outro dia um amigo empresário, que atua em diversos estados do país, conversando comigo, disse como é a sua prática de abordagem juntos aos políticos. Dizendo ser conhecedor do projeto político de A ou B, ele manda: “Eu quero te ajudar, mas preciso ser ajudado. Eu tenho condições de fazer isso e isso...”. Daí, fechados os acordos, as necessidades passam a surgir num roteiro inverso. Nenhuma novidade para o Brasil.
Discutir acerca da cultura em um município que não tem sequer uma biblioteca digna, com uma população que passeia entre meio milhão de habitantes distribuídos em pouco mais de 4 mil km² — diga-se de passagem: na prefeitura existe apenas uma bibliotecária que em breve se aposentará —, quando a norma tem regras bem diferentes; sem uma galeria de arte sequer;  que permitiu escorrer por entre os dedos a escola de cinema que estava incluída no projeto inicial da Uenf; que assiste às destruições permanentes do seu sítio arquitetônico... Que nem se lembra mais do Solar da Baronesa ou do Ayrises – este com tantas promessas de ressurreição. Que permite negócios privados arrolando bens tombados pela emoção e amor do povo campista, sem nada fazer.  Que tem um Mercado Municipal centenário se derretendo e a sua torre gritando a sua morte, com seu tempo parado há décadas...
Por outro lado, sinto a falta do grito das instituições representantes dos profissionais ligados às coisas do patrimônio, da Justiça que parece não assistir a nada, de pessoas importantes no mundo da arte que puseram a sua trajetória para esquentar projetos duvidosos. Dezenas de casarões históricos de fazendas em todo o interior em estado de ruína...
Por não ter autorização do nosso amigo, omitirei seu nome, porém formado pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, representante de Campos em várias partes do Brasil e do mundo, um dos nomes entre poucos de todo o mundo que compõem a Exposição Itinerante “Abaixo o Bloqueio” – um protesto ao bloqueio econômico imposto pelos estados unidos a Cuba. Ele, que passou a sua arte e o seu conhecimento para dezenas e dezenas de alunos no curso de artes da Fundação Cultural, mas que não pôde dar continuidade ao trabalho, provavelmente por ter um alinhamento divergente do atual governo.
O que esperar de um grupo político em relação às artes e a cultura se este grupo é liderado por alguém que, por não aceitar um mero comentário gráfico em forma de charge, processa este mesmo artista, que é condenado a pagar 10 mil reais, não sei bem, mas parece-me por danos morais. Isso sem falar que a sua esposa apresentou outro questionamento à justiça pela mesma causa, quando ele sintetiza a voz dos campistas com o movimento ‘pinte os buracos de rosa’ – um movimento popular que exigia serviços de recuperação do piso das ruas de Campos.
O mais interessante não é o processo em si, mas a intolerância a qualquer tipo de crítica, mesmo se esta vier em forma de arte e humor. Não há nada maior contra a democracia do que a imposição do silêncio. E este artista não é o único a ‘estar no estaleiro’ por pensar diferente. Tenho dezenas de amigos na mesma situação. Imagino o tanto de outros que não conheço.
Outro dado curioso nos fazedores de artes que hoje falam pelo poder, é que, na sua maioria estiveram presentes nos governos anteriores de várias maneiras. Fossem atuando em suas áreas, fazendo parte dos órgãos da cultura, participando de projetos...
Torna-se improdutivo centrar foco de luz neste ou naquele personagem ou órgão de cultura para debatê-la a fim de resultados positivos. Afinal, os equívocos e distorções nas coisas da cultura não surgiram agora. São velhos cupins que corroem os concretos do Palácio da Cultura, do Teatro Municipal, dos Museus, do Arquivo... das nossas paciências há décadas e décadas. 

(*http://fromtheice.com.br/forum/index.php?/topic/72-shaco-o-bobo-da-corte-demoniaco/)

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