O adeus ao 'Jornal do Brasil': após 119 anos, um dos diários mais importantes do país deixa de existir na sua versão em papel
Publicada em 31/08/2010 às 23h58m
Paulo Thiago de Mello
RIO - A partir desta quarta-feira, o "Jornal do Brasil", fundado em 1891, deixa de circular na sua versão impressa. Aos leitores, restará apenas a opção da edição digital, via internet, mediante uma assinatura mensal de R$ 9,90. Para a empresa que administra a publicação há nove anos, trata-se de um passo rumo ao futuro, mas para muitos profissionais de imprensa a iniciativa significa uma espécie de morte de um dos mais importantes jornais do país.
Fundado num 9 de abril, o "JB" marcou seu lugar na história dos grandes jornais como um precursor de inovações, como o uso de agências de notícias e o envio de correspondentes ao exterior.
Lançado menos de dois anos após a Proclamação da República, o "JB" foi identificado inicialmente como um jornal monarquista e, desde então, manteve uma intricada relação dialética com a vida republicana brasileira.
- Eu resumo a história do "JB" em dois períodos. Um século de glória e duas décadas de agonia - afirma Alberto Dines, do Observatório da Imprensa e ex-diretor de redação do "JB", onde trabalhou de 1962 a 1973. - Era um jornal liberal no sentido de ser antimilitarista e, portanto, contrário à República, que nasceu pelas mãos de um golpe militar.
Fundado pelo jornalista Rodolfo Dantas, o "Jornal do Brasil" passou a ser comandado, na década de 20, pelo conde Ernesto Pereira Carneiro, que fez a transição de um diário popular para um jornal mais moderado e moderno. O "JB" teve entre seus profissionais nomes como os de Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Barbosa Lima Sobrinho, João Saldanha, Carlos Castello Branco, Otto Lara Resende e Ziraldo, entre tantos outros. Em 1954, após a morte do Conde Pereira Carneiro, sua viúva, a condessa Maurina Dunshee de Abranches Pereira Carneiro, passou a dirigir o jornal. Anos mais tarde, passou o bastão ao genro Manuel Francisco do Nascimento Brito, eternizado como o "doutor Brito".
Entre as décadas de 50 e 80, viveu seu auge. A reforma gráfica de 1959, a cargo de Amílcar de Castro, introduziu novidades como diagramação vertical e eliminação de fios entre as colunas, que acabaram influenciando jornais dentro e fora do Brasil. No plano editorial, as mudanças foram realizadas pela equipe de Odylo Costa, filho, na qual estavam jovens jornalistas como Wilson Figueiredo, Carlos Lemos, Jânio de Freitas, entre outros. Os textos ficaram mais leves e foram criados suplementos, até então inexistentes na imprensa brasileira.
- Nos anos 60 e 70 ele revolucionou a imprensa brasileira, era o modelo a ser seguido, tanto gráfica como editorialmente - diz Orivaldo Perin, que entrou no "JB" como estagiário, onde trabalhou "três encarnações". - Sua importância estava mais no conteúdo que na tiragem. A venda média do jornal, mesmo nos áureos tempos, ficava entre os 100 mil e os 150 mil exemplares/dia, mas tudo o que publicava, repercutia.
- O "JB" também foi muito importante para O GLOBO. A concorrência entre os dois obrigou cada um a entrar na seara do outro, com bom jornalismo e conteúdo. Foi um dos momentos mais bonitos da história do jornalismo brasileiro. Quem ganhou foi o leitor - afirma Dines.
A família Nascimento Brito dirigiu o jornal por décadas e, após sucessivas crises, arrendou a marca para a Companhia Brasileira de Multimídia, do empresário Nelson Tanure, em 2001.
Nos anos do regime militar, o jornal teve um papel decisivo. Entrou para a história a primeira página de 14 de dezembro de 1968, no dia seguinte à decretação do Ato Institucional número 5 (AI-5) em que, no canto esquerdo, dizia: "Tempo negro. Temperatura sufocante. O país está sendo varrido por fortes ventos. Mínima 5 graus no Palácio Laranjeiras. Máxima 37 graus em Brasília". No entanto, já em crise, na década de 80, o jornal foi acusado de flertar com o malufismo.
A partir dos anos 90, o jornal teve altos e baixos na linha editoral e, em persistente crise financeira, foi entregue a Tanure, que adotou a versão berliner e transferiu a sede da Avenida Brasil 500 - onde estava desde 1973 - para o casarão da Avenida Paulo de Frontin. Nas últimas semanas, o prédio do Rio Comprido tem pendurada uma faixa de "aluga-se". Com uma dívida estimada em R$ 100 milhões, o jornal impresso ainda empregava cerca de 60 profissionais.
Em 2008, o "JB" - e a "Gazeta Mercantil", que também desapareceu pelas mãos de Tanure - deixou de ser filiado ao IVC, o Instituto Verificador de Circulação (IVC) e, por isso, não há números precisos da sua tiragem recente.
- Ele (o "JB") não morreu de repente. Veio morrendo aos poucos. Quando o jornal fez um século, já estava mal - afirma Alberto Dines, lembrando que o jornal cometeu erros políticos e econômicos.
Flávio Pinheiro, ex-editor-executivo do "JB", emenda:
- O "JB" que morre hoje (ontem) nas bancas já estava inteiramente desfigurado. Irreconhecível na sua fisionomia e na sua alma - diz Pinheiro.
O colunista Ancelmo Gois, também ex-"JB", concorda:
- O "JB" acabou faz tempo. Era um cadáver insepulto. Digo isso com tristeza. É difícil dizer quando exatamente o jornal acabou, mas, certamente, não foi agora. Em que pese o esforço quase heroico dos coleguinhas que estavam lá, o jornal já tinha perdido a alma.
- Não lamento agora o fim do "JB". Já lamentei anos atrás. Não identificava no jornal que circulou até agora, e do qual me mantive assinante, o "JB" dos bons tempos - diz Artur Xexéo, que iniciou a carreira no "JB"
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