sábado, 6 de fevereiro de 2010

Você abre mão do quê?

Uma vez fui a um jogo de futebol especialmente lotado – um Brasil e Argentina no Morumbi. Na saída do estádio, havia uma multidão na rua. Fiz o que costumo fazer: saí andando em frente, me enfiando entre as pessoas, certo de que uma hora eu me afastaria o suficiente do estádio para que diminuísse o aperto. Mas o aperto foi aumentando, porque as pessoas vinham de todos os lados – umas subindo a rua, outras descendo, umas por trás, outras pela frente

Até que chegamos a um impasse. Os movimentos pararam. Não havia mais como avançar, dei de cara num paredão de gente. Não havia como recuar – atrás de mim um outro paredão de gente me empurrava, ainda na esperança de avançar. Por um instante, entrei em pânico.

“É assim que se morre esmagado?”, pensei.

Mas, depois de uns longos minutos, a pressão foi cedendo. As pessoas atrás de mim conseguiram dar um passinho para trás, as pessoas à frente também. E logo eu estava longe da multidão. Não aconteceu nada de grave. Poderia ter acontecido.

Conto essa historinha banal porque ela me veio à cabeça esses dias, enquanto eu pensava no atual momento do nosso modelo de civilização. Também aqui, chegamos a um impasse. Depois de algumas décadas com cada um de nós seguindo em frente, na esperança de que tudo fosse dar certo, estamos presos, imobilizados. Parte da humanidade clama por um passinho atrás. Outra parte segue empurrando para a frente. No geral, o que se vê é a galera entrando em pânico: uma sensação de que a coisa vai feder, de que estamos sendo esmagados, de que os empurrões vão ficar cada vez mais fortes até não haver espaço nem para o ar dentro dos nossos pulmões.

A aceleração das mudanças climáticas, a aceleração das extinções das espécies, as oscilações violentas da economia mundial, o colapso das cidades, tão bem exemplificado pelo trânsito ou pelas enchentes que tomaram São Paulo, são só alguns dos sinais de que não dá mais para continuar seguindo em frente. Precisamos mudar de rumo. Precisamos trocar de modelo.

Lógico que fazer isso é mais fácil de falar do que de fazer. Somos uma multidão, e cada um de nós tem sua própria vontade. Você pode até gritar “vamos todo mundo para cá”, ou “vamos todo mundo para lá”, mas cada um decide se obedece ou não. Cabe a cada um de nós resolver se vai diminuir o ritmo ou apoiar os cotovelos no sujeito da frente e empurrar mais forte.

Eu não sou santo. Tenho plena consciência de que faço parte do empurra-empurra. Tenho uma pá de hábitos insustentáveis: consumo demais, viajo demais de avião, gosto de cheeseburger. Nos últimos anos, no entanto, comecei a abrir mão de coisas: me livrei do meu carro, cortei meu consumo, abandonei os sacos plásticos, fiz uma composteira no quintal e reduzi bruscamente minha produção de lixo. Não sou santo, repito. Não tenho hábitos perfeitos. Mas estou fazendo força para dar um passinho para trás. Estou abrindo mão de algumas coisinhas, na esperança de que o aperto diminua para todo mundo (inclusive para mim e, principalmente, para o meu filho, que ainda não nasceu).

No geral, abrir mão dessas coisas tem sido mais um prazer do que um sacrifício. Livrar-me do carro, por exemplo, fez de mim um sujeito mais feliz, mais magro, mais saudável (e, nos últimos meses, mais molhado). Esqueci o que é ficar preso no trânsito e fiz um monte de amigos passando por eles de bicicleta.

Não acho que vamos “salvar o mundo”. Não acho que vamos nos mudar para o éden verde. Mas tenho esperança de que eu vá sentir de novo a mesma sensação daquela tarde de vitória brasileira no Morumbi: o alívio de saber que a vida continua.

Por Denis Russo Burgierman
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010 16:14

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