domingo, 6 de fevereiro de 2011

Um sonho de quase 30 anos que o complexo de superioridade do Açu apagou

Há cerca de 25 anos um funcionário público, mais precisamente um professor, pensando em deixar algo para sua família, adquire cinco lotes (número referente ao número de membros da família) numa praia então desconhecida para muitos. Mas era ali que seu parco salário lhe poderia permitir tal "extravagância", a qual, durante um longo tempo, lhe reduziria ainda mais os proventos, fazendo-o compensar com incansáveis aulas particulares além das três escolas em que lecionava. O que não faz um pai, um chefe de família, para ter a sensação de "poder morrer mais tranquilo"...

Depois de meses e meses honrando as intermináveis parcelas, consegue finalmente quitar a sua "tranquilidade".

Agora outra mexida nas contas e, estica daqui, estica dali - está na hora de passar a escritura para o nome de cada um. Senão não está o preto no branco! E lá vêm mais despesas que sairão do suor e do ofício de ensinar. Não se pode esmorecer na hora de carimbar definitivamente a meta. Para isso foi preciso sacrificar quatro férias consecutivas das crianças. Mas tudo era por elas mesmas. Amanhã terão, cada uma, o seu espaço próprio ,"que, com fé, será, até crescerem, um lugar mais desenvolvido". Cartório, papelada, certidões, deslocamentos para o município vizinho algumas vezes. Dias depois, o presente: cada um já tinha em seu nome a escritura definitiva dos lotes, geminados - pois todos juntos nos manterão a todos próximos, pensava o professor.

Mas, infelizmente, anos poucos se passam e ele vai conviver certamente com quem foi o seu maior exemplo aqui pela Terra, já que houvera sido sacerdote antes de assumir o magistério exclusivamente. Fato que catalisou a responsabilidade produtiva dos herdeiros dos lotes, até porque, uma das despesas certas era o pagamento do IPTU daquela vontade de ter a "tranquilidade" quando partisse que fez realizada.

Anos, anos e mais anos se passaram. Aquela ida de três em três meses à praia para pagar ao senhor que mantinha os matos baixos e evitava que os lotes se transformassem em lixões. Durante anos, idas e mais idas à sede do município para diminuir as cotas do IPTU. Cada vez mais se aproximara a hora de se começar a construir...

Qual nada. É anunciado um grande salto no desenvolvimento daquele pedacinho esquecido do mapa. Bilhões e bilhões seriam investidos bem na terra em que o professor plantou o sonho de deixar sua família feliz, deixando para cada um um pedaço colado de terra que manteria a família unida para sempre. Os planos variavam. Juntar os lotes e investir em algo onde a viúva pudesse desfrutar os seus dias produzindo e tendo uma vida mais digna, hoje limitada pela miserável pensão que o governo do estado lhe confere, após a vida daquele professor sonhador e responsável pela formação de tantos cidadãos. Uma pousada, um restaurante com os pratos caseiros feitos num bom fogão à lenha, uma escola... quem sabe?!?!? Apenas uma coisa estava fora em qualquer hipótese: vender os lotes. Pois o sonho já havia sido absorvido por todos e era aquela gleba conjunta que representava, juntamente com a casa onde moravam, a força de vontade e a preocupação e carinho que aquele professor, pai e chefe de família foi. Nunca deixar se levar pelas propostas que os especuladores oportunistas, rapineiros, oferecem e parecem sempre muito boas.

Afinal, agora havia chegada a hora da recompensa dos quase 30 anos de sonho. Desde as primeiras prestações à quitação. Das despesas administrativas e de manutenção aos impostos. É, como o professor fora iluminado. Um futurista, na certa!!!

Mais uma vez... qual nada! Um decreto frio do governo estadual sepulta essa história. Uma convocação da CODIN informa que aquela área fora desapropriada por 35 reais o metro quadrado e que era preciso levar os documentos ao seu escritório para agilização do pagamento. Mas se discordarem do preço que entrem na justiça para questionar. Frieza! Frieza só.

Os mesmos lotes que, para guardar um sonho, foram recusados 70 mil reais por unidade estão agora sendo desapropriados por pouco mais de 14 mil. Juntem às prestações, os encargos administrativos e tributários, e finalmente o sonho e a certeza de que valeu ter esperado para crescer junto. Nada vale nada.

Esse é o preço que o desenvolvimento dirigido produz. Ele é para os poucos, para os mesmos. Por quanto será vendido o mesmo metro quadrado?

Enquanto isso, o sonho desenfreado de se acumular mais dinheiro e subir no ranking dos mais ricos, como criança colecionando figurinhas, não pode ser interrompido.

(joca-baseado em fatos reais)

3 comentários:

Gianna Barcelos disse...

Caríssimo,
Um drama semelhante a este o meu pai está vivendo e em Itaperuna. A história é igualzinha. Pobre, pagando prstações, IPTU, promovendo limpeza do terreno e eis que ele resolve vender o terreno e dias depois de assinada a escritura ele é notificado que se vendeu o terreno no dia 30, no dia 29 uma vizinha espertinha deu entrada em uma ação de USUCAPIÃO URBANO, sendo que ela é SOMENTE vizinha, NUNCA fez nada no terreno e esta ação está tramitando naquela comarca.
Este Professor citado pelo Senhor vai ter até sorte, porque vai receber alguma coisa.
Porque desde 1988 com a nova Constituição em seu art 170 prevê no inciso III A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. Não se admite mais ter um terreno que não tenha uma plantação ou um bem de raiz (imóvel) nele construído. Moral da história, no fim de tudo sabemos que papai vai perder o terreno e a troco de NADA.Que fique o alerta!

Unknown disse...

O Eike há muito ligou o rolo compressor que pode acabar com o sono e o sonho de muita gente nessa região.
Enquanto isso, os especuladores aguardam a sua hora.
Uma pena.

Claudio Kezen disse...

E o mais triste é que tem gente que chama isso de "progresso"...

Grande abraço, Joca.