(Crônica de Arcinélio Caldas)
Os nativos da planície goitacá, predileta do sol e do luar, em época de eleição levantam-se de seus catres mais cedo e iniciam a maratona de busca da harmonia pessoal e profissional sem hora para terminar, principalmente se for político. Em abono da tese o saudoso vereador campista Carlos Cardoso Tinoco, advogado de escol, com história fértil no cenário popular, costumava dizer: - “Durante quatro meses corremos atrás do povo, que por sua vez atrás de nós corre quatro anos”.
O momento é fértil para os dependentes do sufrágio universal, o que fazem e não fazem para conquistar o bendito voto, popularmente chamado de arma democrática e instrumento de exercício da cidadania. A compreensão do voto iniciou-se no período colonial, onde foi registrada a primeira eleição no Brasil, em 23.01.1532, na capitania de São Vicente-SP. A primeira legislação eleitoral veio com o Império e foi elaborada por ordem de D. Pedro I, visando eleição da Assembléia Constituinte de 1824.
Do Império à República, convivemos com diversas situações marcadas por expressões como: Eleições a bico de pena; Lei Saraiva criadora do título de eleitor; Voto de cabresto; Voto de curral; Política dos coronéis; Oligarquias dominantes e Política do café com leite, todas estigmatizadas pela ocorrência de fraudes eleitorais homéricas em diversos períodos, felizmente em nossos dias transparentes pelo processo eletrônico de votação, embora o país careça de urgente reforma política, a fim de enaltecer na população o valor, a consciência e importância do voto.
Outro dia caminhando pela Formosa, digerindo a intricada questão do voto, pensando na passagem do Brasil colônia para nossos dias, cruzei na esquina da Rosário com o Alvear, vereador bem votado do Partido da situação, dizendo-se preocupado com as próximas eleições, na qual vai tentar se eleger Deputado Estadual e precisa, estimadamente, de vinte e cinco mil votos.
Nessa oportunidade chega até nós o Natam, ex-vereador do partido contrário, que ocupa a presidência de uma empresa pública municipal e, entrando na conversa, deixou claro: – Alvear você vai ter que correr atrás de muito voto, pois só daqui de Campos, teremos no mínimo dez candidatos a deputado estadual, sem contar com os de fora, que aqui vêm buscar o mesmo voto que você está pretendendo para se eleger.
Retrucou o Alvear: – Natam você foi vereador uma única vez com os votos que seu sogro lhe deu. Eu não, o meu voto é cabalado, pois corro atrás do eleitor, não meço esforços para conseguir o voto. Na última eleição, subia a Praça das Quatro jornadas, abraçando um, cumprimentando outro, fazendo uma observação aqui outra acolá, quando avistei um sujeito de braços cruzados, de cara feia, parecendo de mal com a vida e olhando para mim. Logo fui ao seu encontro e cheio de solidariedade estendi a mão para cumprimentá-lo. Ele frio, impassível, me disse: “Não dou a mão a filho das unhas nenhum”. Não perdi tempo, abracei-o calorosamente e falei: sou igualzinho a você, também não dou a minha mão a qualquer um, mas por um voto faço qualquer negócio. Ele retribuiu o abraço, abriu um sorriso cativante e disse: Vou votar em você.
Natam, mordido com a reprimenda do colega, fazendo a mea culpa, respondeu: _ Alvear eu não me reelegi como você, porquanto não investi o suficiente na campanha, nem me empenhei como da primeira vez em que me candidatei e recebi mais de cinco mil votos. Naquela ocasião eu lutei por todos eles, principalmente na terra do meu sogro, aliás, onde sou muito querido e amigo do povo, que me deu mais de trezentos votos por urna.
Diante da observação, que já se tornava frenética, e procurando realçar toda peregrinação do candidato em busca do voto, arrisquei perguntar: Natam diga-me uma coisa, nessa votação maciça que você teve em Paciência, terra de seu saudoso sogro, não houve nenhum incidente na apuração dos votos? _ Problema nenhum, disse ele. Só o presidente da junta de apuração, sujeito muito exigente, pretendeu anular um voto meu e não deixei. Como foi isso? O que você fez? _ O mesário separou uma cédula com o meu nome e disse que era voto nulo, pois o eleitor tinha acrescentado na cédula, à frente do meu nome, a palavra veado. Eu protestei alegando que o reduto da votação era meu, eu era o mais votado em todas as urnas e não poderia ter o voto anulado, uma vez que a intenção do eleitor foi a de votar em mim e a obrigação do mesário é aproveitar ao máximo a intenção do eleitor. Ele então perguntou. “Você é veado?” respondi com todas as minhas forças, para não perder o voto, hoje eu sou! O voto foi validado pelo presidente da mesa apuradora com a concordância dos fiscais de partido presentes na ocasião e pelo final feliz, o candidato se elegeu.
OBS. CRÔNICA SOBRE FOLCLORE POLÍTICO, PUBLICADA NA REVISTA DA ADVOCEF – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ADVOGADOS DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, NO MÊS DE JULHO DE 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário