segunda-feira, 26 de julho de 2010

Rafael Mascarenhas: quando a lógica do "mais um nas estatísticas" é subvertida pelo estrelato.

Durante quase duas décadas vivi no Rio de Janeiro. Tempo o bastante para ter a infelicidade de por várias vezes ver corpos estendidos,vítimas de atropelamentos e acidentes de trânsito. Imagem forte ainda é a de um ciclista nas proximidades do Maracanã. Seu corpo jogado para um lado, a bicicleta distorcida e, provavelmente, uma caixa de ferramentas, daquelas de madeira com um cadeado. Não tive dúvida de se tratar de um peão de obras.
Íamos para Piedade, pois lá estudávamos. Foi uma manhã de imagens que insistiam em se fixar em minha cabeça. A concentração às vezes se perdia com a invasão delas. Mas uma não existia naquele cenário: a do outro veículo. Que coisa intrigante, pensava. Será que alguém é capaz de ser ator numa colisão e se ausentar, tendo a noção do estrago, principalmente quando se está numa situação de vantagem - se é que há -, tipo alguém de carro e outro de moto, de bicicleta, ou pior ainda: um atropelamento? Não são poucos os casos como este que o carioca presencia ao longo de um bom tempo.

Este acidente que tirou a vida do jovem Rafael Mascarenhas me remonta àquele corpo da Avenida Radial Leste anos atrás. A diferença é que Rafael estava acompanhado de amigos, estando assim menos só. O que há em comum entre os dois casos éo fato de os causadores dos acidentes terem se evadido do local, deixando o corpo em frangalhos. Era mais importante fugir do flagrante do que tentar salvar aquela vida.

Um episódio que chama a minha atenção para algumas reflexões. Quantos casos de mortes no trânsito poderiam ser apurados e os responsáveis tido suas penas, se não houvesse o egoísmo próprio da humanidade e a facilidade da corrupção dos que deveriam zelar pela ordem que conduz à justiça? As estatísticas não seriam as mesmas. A impunidade, quanto maior; menor a cautela. Mas não! Policiais corruptos diligenciaram o responsável pelo ocorrido até fazerem um acordo. E, enquanto este acordo era feito, logo após o acidente, nenhum destes estava no local preocupado com a vítima que ainda vivia. Preferiram ir para um canto escuro do Jardim Botânico negociar o silêncio em troca da impunidade. Abandonando a cena do acidente e pouco se importando com nada.

Aos policiais bastavam dez mil reais para que nunca se soubesse o causador do atropelamento. Ao pai do atropelador, a disposição de pagar os mesmos dez mil reais para encobrir o fato ocasionado pelo seu filho. Tudo acertado... amanhã a gente se vê na Praça Mauá.

E lá estavam no outro dia. Os policiais e o pai e irmão do atropelador para os acertos.

Mas eis que a mãe do atropelador ouve no noticiário que o atropelado era filho de Cissa Guimarães e resolve telefonar para o marido. Ao ser informado, passa mal e é amparado pelo filho.

Ora, passou mal por quê? Porque o jovem, aí já morto, era o filho de uma celebridade e a merda ia feder? E se fosse um favelado que costumava atravessar o túnel a pé, por não ter recursos para pagar a passagem de ônibus? Certamente estaria com o seu corpo esperando por familiares e amigos para reconhecimento e JAMAIS o caso seria elucidado. Afinal, sempre haverá corruptos como os dois guardas, o pai e o irmão do motorista - sobre o qual, a bem da verdade, até agora pouco foi dito. Parece-me muito bem protegido. (Vale lembrar o caso do menor envolvido no caso Bruno que, ao que tudo indica, por ser de origem humilde, foi logo posto à disposição da Justiça, provavelmente porque lhe faltava um pai de características ricas, com sobrenome estrangeiro, que se dispusesse a ocultar um filho com o apoio claríssimo da mídia).

Não consigo entender todo o foco voltado para os policiais corruptos e a dor da Cissa.

Afinal, há muito mais para se entender nesse caso: o crime social. Alí, na Praça Mauá, por dez ou mil reais, fosse o morto uma pessoa "comum", jamais se conheceriam os envolvidos. SERIA MAIS UM NÚMERO NA ESTATÍSCA. MAIS UM CASO SEM APURAÇÃO.

É bom parar por aqui, porque as perguntas são tantas que posso pecar por desconhecimento, antecipando juízos de valor. Vamos aguardar os fatos.

2 comentários:

Branca disse...

Joca, fiz o mesmo questionamento quando li que o pai passara mal quando soube que era filho de Cissa...quer dizer que se fosse qualquer um, a grana seria paga e ninguém descobriria nada? É muita hipocrisia desse pai...por isso hj temos filhos assassinos....com pais assim, pra que inimigos?

Joca Muylaert disse...

É verdade! A pura realidade. Com estes casos vem à tona pequenas pontas dos jogos de quem tem o "poder" da grana. Mas quando acontece de seus filhos serem as vítimas ficam com cara de santinhos.