Como entender certos cidadãos do nosso município de Campos dos Goitacá -
interior do RJ - que se prestam a servir de verdadeiros fantoches para agradar ao poder municipal em detrimento de suas próprias histórias e da
dignidade de seus familiares e entes queridos?
Como entender que homens e mulheres que ontem se destacavam desde os
bares aos centros de estudo, hoje se prestem a este tipo de coisa? — pois é, existiam bares em Campos
que eram verdadeiros fóruns permanentes, onde se discutiam atos e fatos
municipais, fossem no âmbito público ou privado, fórmulas, estratégias e ações
para se ter uma cidade mais pensada e movimentada por diversos olhares.
Era comum o encontro dos jornalistas, professores, artistas, agitadores
sociais, sociólogos, arquitetos, ambientalistas, fofoqueiros e pessoas que,
embora não ligadas a qualquer tipo de segmento, depois de umas boas cervejas,
se destacavam como grandes pensadores livres (enquanto escrevo revejo
mentalmente muitos desses personagens...).
Quantas pautas eram introduzidas nas redações oriundas desses
bate-papos, quantas peças teatrais brotavam por ali, quantas instituições e
movimentos tomaram corpo e forma advindos das necessidades percebidas nessas
conversas!
Muitos desses personagens saíram da cidade para suas vidas acadêmicas lá
fora e, até hoje, assistem de longe à cidade que se enveredou por caminhos
tortuosos.
Mas daí também saíram muitos dos que, em vez de estarem com o mesmo
sentimento de ver a bucólica Campos dos anos 70, 80 e 90 crescer em seus
aspectos sociais e humanos, estavam preocupados com suas aspirações de poder e
ascensão pessoal. E, curiosamente, eram os menos dedicados aos estudos ou a uma
profissão. Eram os oportunistas franco atiradores, que com uma capacidade
ímpar em absorver com superficialidade os problemas e supostas soluções, tinham
em si o ímpeto de se destacar com a disposição de tornar popular o que
conviviam nessas rodas. Eram os sanguessugas que hoje são facilmente
identificados na sociedade.
Um outro fenômeno daquela época era a distância entre os considerados
abastados socialmente e os personagens que lideravam certos movimentos sociais, considerados sonhadores ou
excluídos sociais. Há que se dizer que muitas "ovelhas negras"
surgiram dessas supostas famílias de sangue azul que se julgavam acima de tudo,
por se imaginarem no tal topo da pirâmide. Estes eram os jovens que, mesmo
vivendo nesse universo de bolha social, por um motivo ou outro, procuravam um
prisma diferente para entender o seu entorno. Nesses casos, curiosamente.
alguns se transformaram em historiadores e sociólogos de destaque. Certamente
fruto da autocrítica sócio-familiar.
Mas a grande maioria desses filhos destas tais famílias se preparava
para ser independente e alheia aos problemas sociais de Campos, embora desse
mesmo povo campista - que subestimava - vivessem, direta ou indiretamente em
suas "explorações naturais" de uma relação entre doutos e plebe.
Os "marginais", que pensavam uma “nova Campos” em um momento
mais reflexivo, eram ignorados e marginalizados. Mas eis que a inércia dos
filhinhos e papais, causada pela necessidade de manter seus patrimônios e fazer
mais dinheiro, os afastava do convívio com o povo, o que dá chance àquele grupo
de oportunistas dos bate-papos alcançar, aos poucos, espaços na política
local.
Enquanto isto, paralelamente, a cidade assistia à bancarrota de diversas
famílias, até então conservadas em suas redomas. Principalmente pela falência
do setor sucroalcooleiro e agrícola - e nunca é demais lembrar que um dos
motivos desta falência foi de responsabilidade da arrogância, prepotência e
ostentação social. Isto se dava porque muitos produtores amealhavam empréstimos
subsidiados em bancos públicos, dentro de vários programas de incentivo
agrícola para, em vez de investirem em suas plantações e parques industriais,
promoverem disputadíssimas festas sociais que enchiam por semanas as
colunas dos jornais locais. Bastava uma filha casar para se lançar mão de
empréstimos volumosos para bancar a esnobação.
Lembro-me de que o Banco do Brasil, na época do incentivo ao uso de
carros movidos a etanol (o Pró-Álcool ou Programa Nacional do Álcool, que
promoveu a substituição em larga escala dos combustíveis veiculares derivados
de petróleo por álcool), fez uma parceria com a Ford do Brasil e oferecia
financiamento para caminhonetes. Um fazendeiro adquiriu três unidades; uma
delas foi o presente de aniversário de 15 anos de seu caçula (hoje político da
região).
E daí?
Daí que esta falência e a troca de mãos da política local fizeram com
que estes nomes da linha sangue azul fossem aos poucos se vergando aos que
antes eram os marginais, apenas pela proximidade ao poder e aos faturamentos
fáceis e quase nunca lícitos.
São os homens e mulheres que se impunham como independentes que hoje se
postam em genuflexo para seguir as ordens de lideres insanos e destrutivos à
sociedade. Não encontro justificativa plausível para voltar a respeitar nomes
que antes tinham em seus discursos o reconhecimento e lucidez dos
caminhos tortos pelos quais a cidade e o município caminhavam.
Os projetos pessoais e, sem sombra de dúvida insanos de uns e a
necessidade inexplicável de se manter no vértice da pirâmide, por parte
daqueles críticos de ontem, com certeza deformaram mentes e vidas de muitos que
poderiam estar hoje lutando por dias melhores para Campos, porém, se venderam
ao bel prazer de estarem junto ao poder, mesmo que este seja apodrecido e
desprovido de qualquer responsabilidade social e humana coletiva.
Quase sexagenário, envergonho-me de ter perdido tempo tendo tido muitos
destes como companheiros. Pois mudaram seus discursos e suas práticas de forma
deslavada e ignorando suas próprias histórias.
Preocupam-me os jovens destas famílias hoje vendidas ao sistema quando
amanhã as verdades vierem à tona. Nenhum, nenhum momento de facilidade momentânea vale a
herança maior deixada para os nossos filhos e entes queridos do que a marca da
retidão e vontade de acertar juntamente com o mundo em que vivemos.
Envergonhem-se. Reflitam e se curem desta moléstia aniquiladora de tudo
por tudo.